Consequencialismo, Segurança Jurídica e as Alterações na LINDB (Lei nº 13.655/2018): Otimismo e Cautela
DOI:
https://doi.org/10.46818/pge.v1i2.54Resumo
Em 25 de abril de 2018, foi sancionada a Lei nº 13.655/2018, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei nº 4.657/1942) para incluir no diploma legal uma série de artigos que pretendem trazer segurança jurídica e eficiência à criação e à aplicação do direito público, sobretudo no que se refere à atividade de controle da Administração Pública.
O primeiro dos dispositivos introduzidos pela Lei nº 13.655/2018 já deixa clara a tônica do novo diploma legal ao estabelecer que as decisões proferidas na esfera administrativa, controladora e judicial não devem se basear em valores jurídicos abstratos nem podem desconsiderar as consequências práticas da decisão. A um só turno, é possível discernir as duas principais preocupações do legislador: (i) o ônus de motivação de decisões, com vistas a uma maior transparência e previsibilidade da atuação da Administração e das instâncias de controle; e (ii) a positivação do ideário consequencialista, uma das bases do pensamento pragmatista.
Outro pilar do pragmatismo, o contextualismo, pode ser observado no novel art. 22 da LINDB, segundo qual “na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo”. A expressa determinação de que o operador do direito público leve em conta os obstáculos e as dificuldades reais do gestor evidencia o caráter contextualista da nova norma ao impor principalmente ao controlador o dever de se desencastelar para desempenhar suas atividades e, com isso, considerar a realidade de urgências e escassez em que se inserem as decisões cotidianas da Administração Pública brasileira.
A Lei nº 13.655/2018 traz, também, inovações voltadas a promover a segurança jurídica em sede do direito administrativo, como se pode perceber da leitura dos recém-introduzidos arts. 23, 24 e 30, que determinam (i) a necessidade de estabelecimentos de regime de transição no caso de decisão que modifique interpretação vigente sobre norma; (ii) a aplicação do direito público conforme as orientações vigentes à época da prática do ato; e (iii) a busca pela segurança jurídica, por meio da aprovação de súmulas administrativas, regulamentos e respostas a consultas que consolidem entendimentos das autoridades públicas.
A nova LINDB ainda disciplina a responsabilidade pessoal do agente público por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro, positivando e expandido também para gestores em geral o entendimento consolidado do STF em relação à responsabilidade dos advogados públicos pareceristas (vide, por exemplo, MS nº 24.584-1/DF e MS nº 24.631-6/DF).
O dispositivo, no entanto, foi prejudicado pelo veto aos parágrafos do art. 28, sobretudo o § 1º, que pretendia reduzir as hipóteses de responsabilização desproporcional da autoridade pública ao afastar a responsabilidade no caso de decisão ou opinião fundada em entendimento doutrinário e/ou jurisprudencial, ainda que não pacífico, bem como em interpretação razoável. O veto, aqui, parece contribuir para a manutenção da paralisia decisória trazida pelo “Direito Administrativo do Medo”, que leva gestores públicos a simplesmente não decidir por receio de futura responsabilização.
Por fim, cabe destacar o veto ao art. 25 da Lei nº 13.655/2018 – possivelmente o mais relevante de todos os vetos apostos ao diploma legal. O dispositivo em comento ambicionava trazer a possibilidade de o ente público propor ação declaratória de validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, a qual seguiria o mesmo rito da ação civil pública e cuja sentença faria coisa julgada com eficácia erga omnes. Além disso, previa que o Ministério Público seria citado para a ação, podendo abster-se, contestar ou aderir ao pedido.
A natimorta ação declaratória de validade poderia contribuir para o fortalecimento da segurança jurídica em sede de políticas públicas – e da atuação administrativa em geral –, evitando a judicialização pulverizada e desorganizada de centenas (às vezes milhares) de ações idênticas em que se discute a validade de determinado ato administrativo. A opção presidencial pelo veto ao dispositivo aniquila essas potencialidades antes mesmo de seu desenvolvimento.
Nada obstante, o balanço geral da Lei nº 13.655/2018, em sua versão sancionada após os vetos parciais, parece positivo. A nova LINDB tem o mérito de traduzir em norma cogente preocupações caras ao bom gestor públicos de eficiência, e e realismo na alocação de recursos públicos – intrinsecamente finitos – e segurança na gestão da atividade administrativa. Apenas o tempo, contudo, poderá dizer se os ditames da Lei nº 13.655/2018 serão efetivamente incorporados à praxe administrativa, controladora e judicial ou se, ao revés, suas disposições acabarão, na prática, por se juntar aos dispositivos já vetados antes mesmo de sua promulgação.
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